segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Um salve aos hermanos Alejandro e José Maria. Sejam felizes!


A nossa vizinha Buenos Aires acaba de vanguardear um ato revolucionário. Lá se realizará, a 1º de dezembro, o já autorizado casamento homossexual. Sim casamento e não união estável. Ou seja, juíz de paz, comunhão de bens, testemunhas, e todas as parafernálias jurídicas dessa instituição burguesa moderna. Pois bem, fico muito feliz. Eis um inequívoco achismo meu: eu acho isso muito importante.
Tomara que a mídia, enquanto houver fôlego, não pare de tocar no assunto. Que aconteçam as chamadas no horário nobre no momento em que as famílias estiverem reunidas jantando. Que um funcionário de uma empresa leia pela manhã, em voz alta, aos colegas o fato ocorrido. Que tal acontecimento gere revoltas aos mais preconceituosos, aos reacionários, mas que se perceba a absoluta inevitabilidade disso, porque como disse Gabriela Seijas, juíza do caso, "o mundo caminha nesta direção".
Na verdade o mundo sempre teve essa direção, como teve muitas outras, o problema é o moralmente aceito, o parâmetro machista e sexista que norteia o mundo. Num maniqueísmo entre o certo e o errado, este teve a homossexualidade com sua representante por excelência.
Não vou bater na tecla do óbvio, da minha defesa pela liberação do prazer sexual, independente das escolhas e descartes, pela ojeriza que tenho da analogia da homossexualidade com anomalia, doença, perversão, urgh...Isso, de alguma forma até vem sendo hipocriatmente teatralizada nos discursos em respeito à diferença, à condição sexual.
É o conceito que me incomoda, a definição acabada do termo. Foucault já dizia que a coisa nasce da palavra e apalavra não comunica, mas inventa a coisa. Pois é, na minha opinião a homossexulaidade, ou homossexualismo (num catálogo acadêmico verborrágico) só ganhará respeito quando a palavra tornar-se vazia no momento de sua pronúnica. Quero dizer que o preconceito só acabará quando o termo perder o sentido, até não ser mais utilizado por não ter a mínima necessidade. Quem gosta de homem, gosta de homem, . Quem gosta de mulher, idem. Quem gosta dos dois, digo o mesmo... Afinal que nome se dá pra quem prefere Pepsi ao invés de Coca-Cola, pra quem prefere usar tênis e não sapatos, quem gosta de andar de moto no lugar de carro. Alguém até pode inventar um nome pra essas escolhas, essas diferenças, mas não haverá sentido nenhum, não terá a mínima importância. Dessa forma ser homossexual sempre será homossexual enquanto essa palavra exisitir. E ela existindo sempre haverá o espaço para políticas e discursos de controle e violência, sempre será uma "categoria", um "termo", e sendo categoria e sendo termo, será passível de análise, de hipóteses, será laboratório da ciência cartesiana. Ser gay nunca deixará de ser enquanto assim eu o pronunciar, mesmo os mais progressitas e combatentes da homofobia ficarão presos à palavra. E da palavra a coisa. A pessoa que tem tesão por outra do mesmo sexo, que se apaixona por ela, que a ama, dessa forma sempre será coisificada.
Não sei como esse problema se descoisificará, não sei quando esse preconceito acabará, mas ficarei muito feliz que meu filho não se incomode ao ver dois homens se beijando na rua, não dê a mínima, que isso pra ele não faça diferença...
Que as pessoas morram de prazer, que os armários guardem apenas roupas. Que o corpo não seja uma sirene de polícia alojada...
A Argentina foi revolucionária, deu o exemplo. Burocratizar é um mal necessário. Se infiltra nos dspositivos da norma e da ordem. Nossos hermanos estão de parabéns. O caso de Buenos Aires até me fez ter vontade de cantar "Soy louco por ti América. Soy louco por ti de amores..."

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Estudo, estudo, diversifico...e me embanano!!!


Por acaso, na semana passada descobri que a professora Marisa Vorraber Costa (de ímpar genialidade e sensibilidade com o cotidiano) lançou, neste ano de 2009 o livro "Educação na cultura da mídia e do consumo". Ah...que nostalgia! Saudade do ano passado. Uma típica nostalgia pós-moderna.
Tenho certeza que esse livro também é resultado do seminário que realizou numa disciplina na Faced, do qual fui aluno PEC, que refletia sobre educação e consumo. Deixei meu artigo lá, "O consumo (des)moralizado", uma preocupação com o universo do "senso comum", as recepções, atribuições e ressignificações dos Josés e das Marias (um pouco ao estilo do jesuíta Certeau sobre a sua "invenção do cotidiano", mesmo não lhe fazendo referência) sobre as ideologias e os modos de pensamentos que lhe são "impostos". Obviamente, fui na contramão da produção intelectual que institui a alienação. A nostalgia me dá pelas vorazes pesquisas de então, no debruçamento de Foucault, Derrida, Yudice, o meu favorito Canclini; Martín-Barbero; Bauman; Bhabha; Hall; Lemert; Ortiz, e vai, vai.. Todos, a despeito de suas particualridades, propondo uma reletiura das máximas modernas e iluministas, que me influenciaram e me fizeram comprar algumas brigas.
Pois bem...Tentei o mestrado na área, não consegui. Agora estou estudando Rio Grande do Sul, patrimônio e memória na Fapa. Meu Deus!
Não preciso dizer que as leituras são absolutamente outras! No presente momento, faço uma pesquisa sobre o Mercado Público de Porto Alegre como um lugar de memória, saca...
E falar em Mercado Público é falar de da história da cidade, de Sérgio da Costa Franco, Sandra Pesavento, etc... Falar de lugar de memória é falar de Pierre Nora, Jacques Le Goff, Maurice Halbwachs, Paul Ricouer, e aí vai.
Acredite o leitor que, para a primeira disciplina do curso, realizei um artigo sobre Rafael Pinto Bandeira, pode uma coisa dessas? Eu, Marcito, jamais me imaginei analisando um códice do século XVIII, os testemunhos de uma devassa. Isso mesmo! Imagine a bibliografia...
Mas, já ia esquecendo que no início do ano comecei o curso de Filosofia na Ufrgs, sim! Os motivos paternais me fizeram postergá-lo pra daqui há algum tempo. Mesmo assim, entre março e abril lá estava eu raciocinando o desmonte do discurso sofista na análise de Platão, fichando a metafísica da Aristóteles e preparando um texto sobre a critica moderna de Hegel sobre os escritos de Heráclito.
Bom, a verdade é que estou me sentido uma enceradeira intelectual, rodando, rodando, rodando, nessa desorganizada prática "holística". A preocupação é com o currículo, como minha formação, mas a verdade é que cada vez me embanano mais, quero ler de tudo, saber de tudo, mas acabo me atrapalhando. Acho que devo é, como me disse uma professora, fazer tudo sim, mas uma coisa de cada vez. Pois é...
Sem contar nos romances que abandonei no meio, como O Iditoda de Dostoiévski e Contraponto de Huxley. Mas o que quero mesmo, nas férias é terminar a biografia do Tim Maia, do Motta. O nome: "Vale Tudo". Não, não Tim, tudo não, aí tu me complica mais...

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

"Ouviram do Ipiranga"...que a identidade nacional foi pro brejo


No centenário de sua criação, o hino nacional brasileiro deverá agora ser cantado uma vez por semana nas escolas públicas e privadas. Proposta pelo deputado mineiro Lincoln Portela (do PR), a lei foi sancionada pelo vice-presidente José Alencar. Nada a ver...

Eu não vou aqui fazer apologia de um hino alternativo, mais progressista, popular, blablablá, blablablá. Não que seja contra, mas pra mim o buraco é mais embaixo. Grosso modo, esse ideário nacionalista é propaganda iluminista moderna e hoje não tá mais colando. Culpa da globalização que fragmenta, pulveriza, dessubstancializa? Sim e não! Mesmo que nesses nossos tempos ditos pós-modernos as identidades estejam ganhando múltiplos, transitórios e efêmeros significados, mesmo que a globalização propicie este estado de coisas, o tal discurso nacionalista sempre nos foi empurrado goela abaixo, num pertencimento (pseudo) homogêneo, de que todos comungamos de valores comuns referentes à querida nação brasileira é pura balela. Um hipcrosia oficialesca, elitista, antipática. Alguém consegue me responder o que é ser brasileiro? Não vale consultar nenhuma cartilha. "Autencidade", "essência", "originalidade" são puro recursos retóricos para se fazer acreditar em supostos mitos fundadores, dessas comunidades imaginadas (como já aconselhava Stuart Hall e Néstor Canclíni.)

Além do mais, esse tal hino nacional nunca nos representou mesmo, sequer sabemos o que significa a maioria das palavras (depois ficam ridicularizando a coitada da Vanusa).

Mas o Brasil está nos holofotes. País emergente, saindo quase ileso de uma crise mundial, compra submarinos nucleares e caças supersônicos para proteger um território que encontrou petróleo abaixo da camada de sal. O Brasil tá na moda. Assim, talvez a única coerência seja justificarmos cantando no colégio essa nação promissora.Pode ser...

Mas, assim mesmo acho reacionára essa proposta. Essa tentativa nada criativa de reconquistar uma identidade que está agonizante. Se é que um dia respirou sem ajuda de aparelhos.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O fim de um paradigma

Na noite do dia 19 de agosto de 2009 dá-se o óbito de Ciro do Nascimento Egres, meu tio por afeição, meu segundo pai.
Digo, com verdadeira e intransigente certeza, que não morre só um homem, morre um conceito, uma idéia, um sistema de pensamento. É o fim de um paradigma.
Ciro cruzou e percorreu as mais variadas fronteiras da realidade social, as fronteiras do bem e do mal, as fronteiras do certo e errado. E a cada passo que deu, não houve qualquer tropeço, nenhum desequilíbrio. De cabeça erguida, foi reconhecido e considerado por todos que compartilharam seu espaço.
Ciro foi um dos responsáveis pela minha formação de caráter, por meus códigos de conduta no mundo do trabalho, no mundo das amizades, no mundo da vida de periferia, no mundo das escolhas. E não modifico uma vírgula daquilo que aprendi com ele.
Ciro foi absolutamente amado e respeitado por todos que o conheciam, pois conseguia ser ao mesmo tempo sério e afetuoso. Suas atitudes pareciam ser milimetricamente ensaiadas, pois não usava uma palavra fora do lugar ou fora de hora. Ele conhecia seu espaço a cada situação e ali reinava inconteste.
Ciro foi um sujeito incorruptível, sob qualquer ponto de vista. Foi honesto à décima potência, de expressões e atitude absolutamentes sinceras. Ciro não é desse tempo.
Sempre desconfiei dos perfis arredondados e caricatos dos seres humanos. Achava isso coisa de novela, de Hollywood, pois na verdade todos somos uma constante contradição, um eterno processo de modificação e hibridação. Mas Ciro foi diferente, ah foi...
Suas posturas, sua filosofia de vida jamais mudaram durante todo o tempo em que convivi com ele. Até seus erros eram prenunciados e pareciam, por ele, calculados.
A morte de Ciro é também a morte de um mito, de algo que já não existe mais, que já se extinguiu. É o fim de algo fantástico, digno de uma biografia para ser disseminada aos quatro cantos.
Os que conheceram esse homem (que mais parece um personagem de alguma epopéia mitológica) sabem o que estou dizendo. E aqueles que não o conheceram e agora estão lendo este texto acreditem: ele era tudo isso mesmo.
E a minha grande felicidade é por ter vivido nos tempos de Ciro, e mais que isso ter convivido com essa figura ímpar ter ganhado a sua amizade, a sua educação, compartilhado seus e meus momentos de felicidade e tristeza, ter apertado a sua mão ter ganhado o seu abraço, ter feito parte de sua existência.
Vá com Deus Ciro, tu não pertences a este mundo mesmo, tu és algo a ser idealizado e aprendido. Obrigado por ter feito parte da minha vida.
Te amo Cirinho, e até algum dia.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Que coisa engraçada!


Transcrevo neste espaço uma piada que recebi por email da colega Aline do grupo da História Fapa. Assaz pertinente:

*Uma mulher branca, de aproximadamente 50 anos, chegou ao seu lugar **na classe econômica e viu que estava ao lado de um passageiro negro.**Visivelmente perturbada, chamou a comissária de bordo.**'Qual o problema, senhora'?, pergunta uma comissária.**'Não está vendo? - respondeu a senhora**- 'vocês me colocaram ao lado de um negro. Não posso ficar aqui.**Você precisa me dar outra cadeira'.**'Por favor, acalme-se - disse a aeromoça -**'infelizmente, todos os lugares estão ocupados.**Porém, vou ver se ainda temos algum disponível'.**A comissária se afasta e volta alguns minutos depois.**'Senhora, como eu disse, não há nenhum outro lugar livre na classe **econômica.**Falei com o comandante e ele confirmou que não temos mais nenhum lugar**nemmesmo na classe econômica.**Temos apenas um lugar na primeira classe'. E antes que a mulher fizesse**algumcomentário, a comissária continua:**'Veja, é incomum que a nossa companhia permita à um passageiro da **classeeconômica se assentar na primeira classe. Porém, tendo em vista as**circunstâncias,o comandante pensa que seria escandaloso obrigar um **passageiro a viajar aolado de uma pessoa desagradável'.**E, dirigindo-se ao senhor negro, a comissária prosseguiu:**Portanto, senhor, caso queira, por favor, pegue a sua bagagem de mão, **pois reservamos para o senhor um lugar na primeira classe...**' E todos os passageiros próximos, que, estupefatos, assistiam à cena, **começaram**a aplaudir, alguns de pé.*

Essa (re)ação deveria acontecer cotidianamente, ao menor sinal de uma atitude racista. Os racistas devem, além de punidos, ser incansavelmente ridicularizados, zombados, enxovalhados, nas maneiras mais crativas possíveis. Aí o preconceito vai se tornar, careta, cafona, clichê. Daí começará a revolução...
Viva as piadas antiracistas, viva o combate plurívoco, criativo e disseminado contra o preconceito. Viva, viva...estou muito contente!!!

sábado, 15 de agosto de 2009

O garçom e a liberdade de expressão


Eu trabalho há um pouco mais de um ano como garçom. Não sou funcionário de nenhum estabelecimento, mas sim faço serviços free-lance nos mais variados lugares, o que me faz encontrar no dia-a-dia públicos os mais diferenciados possíveis, financeira, social e culturalmente falando. A filosofia do “sempre sorrindo”, do “o cliente tem sempre a razão” e etc, etc etc, é cabal é indispensável nesse tipo de trabalho, mas às vezes fica difícil lidar com algumas circunstanciais situações, o que cria em mim uma profunda vontade de expressar os meus mais profundos sentimentos em relação a algum mala ou mal-educado que cruza o caminho da minha bandeija. Aí vem aquela lembrança do profissionalismo que está em jogo, e acaba tudo num belo sorriso acompanhado de um “pois não”, “é claro, é claro”.
Imaginem se a palavra Liberdade de Expressão fosse realmente de possível utilização em nos diferentes momentos de nossa vida. Mas infelizmente, quando não se pode é quando mais se precisa. Relaciono, abaixo, algumas das frases que gostaria de dizer nos meus serviços de garçom, palavras que me aliviriam o espírito, me relaxariam a alma, mas que são, obviamente, impossíveis de saírem da boca. Ei-las:

“Será que o senhor não vê que está todo mundo cansado? Só você e sua esposa estão atrasando o fechamento do local, o senhor não tem consciência disso?”

Numa correria, e eu com coca-cola guaraná e cerveja, daí uma senhorita “-Moço, me vê uma água mineral. –Agora a senhora vai esperar, só depois eu vou trazer. É brincadeira...pedem só que a gente não tem. Espera, porque vai demorar.”

“Bah, mas vocês comem hein? Já troquei o prato de docinhos da mesa duas vezes e querem mais, nanananã, chega.”

“Não meu amigo, não tem mais salgadinhos, tu chega a essa hora na festa, quase acabando, na maior cara de pau e quer comer salgadinho, ah por favor...procura numa mesa aí se tem.”

“-Garçom, essa cerveja que tu trouxe ta gelada? –Não, não. Essa aí eu peguei fora do gelo pra ti, só pra te contrariar”

“Psiu o quê? Eu não sou gato, custa dizer ‘ô garçom’?! .Que falta de respeito”

“Se a senhora não segurar direito a taça, eu vou virar a espumante toda em você, aí a culpa é minha, né bocaberta?”

“Não amigo, não vou mais lhe servir cerveja, o senhor já está super bêbado, tá todo mundo reparando, ta fazendo um baita fiasco, toma vergonha e vai pra casa”

“-Ô garçom!!! –Fala chato.”

Essas e muitas outras palavras, me deixariam muito satisfeito se pudessem ser proferidas, pois às vezes não estamos muito bem, e damos de frente com pessoas complicadas. Mas, a liberdade de expressão de fato é impossível, as pessoas não conseguiriam viver em sociedade sendo completamente honestas. Enquanto isso, vou sorrindo e dizendo “o senhor aceita um cafezinho?”

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Quem nasce na vila aprende mais cedo

Mart’nália cantou e eu me aproveitei da letra: “Modéstia à parte, quem nasce na vila aprende mais cedo”. É verdade...
Ressalvadas todas as sinalizações de porém, entretanto, contudo, todavia, etc. das carências e problemas multiangulares de morar na vila, leia-se periferia, lá é bem melhor. Foi bem melhor pra mim, ao menos. Claro que, agora, como já tenho um filho, levo pra casa os argumentos acadêmicos e jornalístico-empíricos e, assim sendo, não gostaria que ele crescesse em meio às dificuldades encontradas nesse espaço social, mas pra quem é piá é tri bom.
Crescer na vila é subjetivamente bom. Sim, subjetivamente. De difícil externalização e comunicação vocálica ou gráfica. As novas gerações, tributárias de docs de condomínios não viverão coisas como a sociabilidade criada no meio da rua de paralelepípedo (sem asfalto e sinaleira), não conhecerão a cultura do “brincar na terra”, de tirar o tampão de dedão porque chutou a pedra e não a bola (e também chamar de filho da p... aquele que riu na hora do chute), de ficar com coceira nas costas por causa da grama. Pois é, quem viveu, viveu e sabe do que eu to falando. Essa nostalgia dita muitas de minhas regras na minha vida social e profissional e por isso sou amante do senso comum. Os intelectuais o odeiam, mas não sabem do que falam. Muitos não comungaram de tais momentos, vejam vocês alguns:
Jogar bolita, hã? Que coisa boa quando da risca ia direto pro boco. Já podia “matar” o
outro no começo do jogo. Mas quando se jogava às “verda”, meu pai não deixava eu levar as “olhinho de gato”, eram muito bonitas pra perder pros outros (ah, me desculpem, mas não usarei notas de rodapé pra explicar esses termos, pois como já disse: quem viveu, viveu...). E a chimpa (ou ximpa, não sei, nunca vi essa palavra por escrito)? As partes internas das carteiras de cigarro valiam como dinheiro e lembro que as de caixinha eram mais caras, chamadas de “ourinho”. Jogar taco era no mínimo uma vez por semana, sempre tendo que tirar as latas de azeite da rua cada vez que vinham os carros, mas tudo bem...
Eu sei, eu sei. Os nossos pais na correria, na labuta do dia-a-dia pra gente poder frequentar a escola, não precisar trabalhar, o esforço pra nos dar aquele par de tênis novo a cada inverno. Todos nós lá. Vítimas da vergonhosa desigual distribuição de renda do país. Mas, no nosso universo infantil, orbitavam outras coisas:
“Márciooo, eu não acredito que tu jogou bola com o tênis de sair?” ou “Ah, tu quer te aparecer pras visita é?”, também “ó filho, a mãe te comprou esse abrigo bem quente, apeluciado por dentro”. Momentos de negociação: “Ah mãe, não vou tomar banho. Nem suei. Joguei no gol.” Quem nunca barganhou?
E quem nunca torceu pra achar a figurinha chave da bicicleta ou do vídeo game. Eu só ganhei um relógio de plástico. O álbum era de graça no armazém e muitas vezes se colava com cola de farinha. Não achava menor graça no ping pong Amazônia ou Pantanal, mas o “Bubblets” do Jaspion eu completei, e o gosto do chiclete era melhor também.
Os saquinhos de leite grudados nas garrafas de Clorofina não me chamavam muita atenção. Preferia o barulho da tampa da Doriana nos raios da bicicleta.
Mas o bom era o futebol. 3 dentro, 3 fora, com um pique pra ficar mais fácil. A droga era que muitas vezes no melhor do jogo, vinha minha mãe me chamar pra ir na padaria, ou jogar no bicho pra ela “ah, agora eu não vô” “peraí, vou chamá teu pai”. Eu ia.
Eu era rápido, brincá de pega-ajuda era comigo, sempre era o último ser pego. No 5 corta também me destacava, claro que fazia algumas panelinhas pra cortar sempre.
“Olha a Kombi, olha a Kombi, vai pega as garrafas!!” Três garrafas de vidro, valiam uma baita rapadura de Santo Antônio, isso só na Vila, os mauricinho do asfalto não tinham esse privilégio. Não mesmo. Tirar foto com o Papai Noel no areião, só nóis, a negadinha da vila.
Isso não é romantizar a periferia, longe disso. Mas vejam que em meio a tantos problemas, na minha cabeça ficou isso, esses detalhes. Convivi no meio da violência, mas sempre fiz limonada com esse limão. A gente sempre ressignificava tudo, da falta de grana à dor de um soco na cara. “Bah, arregou.” “Ah, não da minha mãe tu não fala”.
Quem acha que a piazada não sente a pressão, que não compreende as mazelas cotidianas? Entretanto, usávamos nossos dialetos pra conversar com o infortúnio. Já falei, defendo o senso comum. Tenho uma formação acadêmica que nunca conseguiu ser porta-voz da periferia, sempre a enquadrou num clichê de carência e alienação. Não é bem assim. Quem nasce na vila faz na “paleta” seu referencial teórico. Vê novela, mas debocha porque sabe como vai ser o último capítulo. Graças a vila, nunca escorreguei num pedantismo estéril e otário. Minha infância, de uma forma inexplicável, subjetivou meu presente, e não sei como, só sei que sim. Não sei se vou conseguir explicar pro Gabriel, meu lambari. Não sei se quero que ele more na vila, tenho uma preocupação de pai, é diferente. Priorizo a proteção dele, em meio a essa violência, mesmo perdendo muito de todo o resto, é irônico, é contraditório. A vila sofre, deveria ser diferente. Mas, ao mesmo tempo, ela é única, é mágica. Não adianta, quem nasce na vila aprende mais cedo.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O superego guevarista: uma pulguinha atrás da nossa orelha...

Início meus achismos com esse textinho que escrevi no ano passado para o email da História da Fapa...e hoje, depois de assistir Che - O argentino (que aliás gostei muito), lembrei e posto ele aqui.

"Ernesto Guevara de la Serna nos incomoda até hoje, mas no bom sentido. E tudo por causa da sua condição de asceta. E não é fácil ser um. Não mesmo!
É indiscutível que quando tratamos de idéias políticas de esquerda, de socialismo, de práxis, de posturas revolucionárias Che está hierarquicamente intocável, inalcançável. É o maior parâmetro que temos aqui na América Latina, e talvez no mundo inteiro.
E tudo por uma combinação de elementos biológicos, psicológicos, afetivos, emocionais, culturais misturados com convicções sociais e políticas por um modelo ideológico concreto. Elementos que arquetipam essa extraordinária figura do século XX (talvez a mais completa, como disse Sartre), e que vem desde 1967 nos custando caro, zumbindo nos nossos ouvidos revolucionários: "olha a postura"; "não vai peleguiar".
Pois é. Acontece que por diversos motivos, Ernesto Che Guevara transformou-se de homem para uma instituição modelar, um código de condutas, de suas particularidades e especifidades psicossociais ( e todos somos assim, completamente singulares em muitos atributos), forjou-se um "parâmetro". Um asceta que acreditava em Marx tornou-se ícone.
Há um tempo atrás, li a biografia, talvez, mais completa traduzida para o português, de Che Guevara, escrita pelo jornalista inglês Jon Lee Anderson, intitulada justamente "Che: uma biografia". O autor buscou tudo, tudo mesmo, das primeiras crises de asma até o martírio na Bolívia. Garanto que todo aquele que ler a obra ficará espantado e admirado ao mesmo tempo com as atitudes do revolucionário ao longo de sua curta vida. O desapego consigo por causa de seus objetivos, a negação de qualquer prazer imediato e a renuncia pessoal por um transcendentalismo intra-mundano (esse termo é do chileno Tomás Moulian, achei bonito e coloquei aqui), pela objetivação de seus trunfos, o fizeram ganhar contornos míticos, principalmente (é claro) depois de sua morte.
Mas, a maneira ascética com que se entregava para buscar seu mundo novo (com o Homem Novo como ele mesmo dizia), tanto nas guerrilhas como com sua família, foi idiossincrasia de Che, foi a sua leitura de mundo, carregada pelas particularidades trazidas na sua bagagem biológica e cultural. Essa leitura de mundo juntamente com especifidades humanas próprias de sua personalidade, fez de Guevara uma pessoa com grandes intransigências nas suas posições políticas, nos seus não-negociáveis objetivos. E como já disse, virou parâmetro.
Se Max Weber fosse escrever nos anos 70 do século XX a sua idéia de Dominação Carismática, baseado em Che, venderia muito, mas seria enxovalhado também, taxado como um grande oportunista, ou até mesmo (comparando de longe) um Paulo Coelho germânico. Mas como como observou esse "tipo ideal" bem antes, tem crédito na casa.
Che Guevara. Líder ascético, que renunciando a qualquer vaidade paliativa, ganhou milhões de prosélitos, todos nos curvamos a Che. E pra completar, o cara morre cedo, no seu auge político. Para muitos comunistas ateus, tornou-se imagem reconfortante, vínculo de crença e referência, (a mesma coisa que o Deus dos não-iluministas). Foi o tiro mais burro dado pelo capitalismo. Che não está aqui, está lá. Lá onde não podemos tocar, num lugar imaculado.
Quando li sobre Che (acho que em 2002), quis na mesma hora ir pro meio do mato morrer na guerrilha, já quis largar de vez minha vidinha pequeno-burguesa, já quis ser Che Guevara (mas não sou exemplo pra niguém porque sou facilmente influenciável, já quis ser Bruce Lee, Raul Seixas e até Rocco Sifredi).
Então, hoje, quando a gente observa os meandros, os fisiologismos, os pragmatismos político-ideológicos da nossa poítica atual pensamos: "Ah se fosse o Che!!!". Mas não é o Che. Mas não tem Che. Só o Che era Che, como só eu sou o Marcito. Não existe evangelho comunista, Che não irá se preocupar com nossos pecados ideológicos. E se de noite, ele sussurrar nos ouvidos da gente, pediremos que ele se acalme, não vamos peleguiar, só não podemos perder a ternura...jamais!!!"

Abraço do Marcito...