quinta-feira, 23 de abril de 2009

O superego guevarista: uma pulguinha atrás da nossa orelha...

Início meus achismos com esse textinho que escrevi no ano passado para o email da História da Fapa...e hoje, depois de assistir Che - O argentino (que aliás gostei muito), lembrei e posto ele aqui.

"Ernesto Guevara de la Serna nos incomoda até hoje, mas no bom sentido. E tudo por causa da sua condição de asceta. E não é fácil ser um. Não mesmo!
É indiscutível que quando tratamos de idéias políticas de esquerda, de socialismo, de práxis, de posturas revolucionárias Che está hierarquicamente intocável, inalcançável. É o maior parâmetro que temos aqui na América Latina, e talvez no mundo inteiro.
E tudo por uma combinação de elementos biológicos, psicológicos, afetivos, emocionais, culturais misturados com convicções sociais e políticas por um modelo ideológico concreto. Elementos que arquetipam essa extraordinária figura do século XX (talvez a mais completa, como disse Sartre), e que vem desde 1967 nos custando caro, zumbindo nos nossos ouvidos revolucionários: "olha a postura"; "não vai peleguiar".
Pois é. Acontece que por diversos motivos, Ernesto Che Guevara transformou-se de homem para uma instituição modelar, um código de condutas, de suas particularidades e especifidades psicossociais ( e todos somos assim, completamente singulares em muitos atributos), forjou-se um "parâmetro". Um asceta que acreditava em Marx tornou-se ícone.
Há um tempo atrás, li a biografia, talvez, mais completa traduzida para o português, de Che Guevara, escrita pelo jornalista inglês Jon Lee Anderson, intitulada justamente "Che: uma biografia". O autor buscou tudo, tudo mesmo, das primeiras crises de asma até o martírio na Bolívia. Garanto que todo aquele que ler a obra ficará espantado e admirado ao mesmo tempo com as atitudes do revolucionário ao longo de sua curta vida. O desapego consigo por causa de seus objetivos, a negação de qualquer prazer imediato e a renuncia pessoal por um transcendentalismo intra-mundano (esse termo é do chileno Tomás Moulian, achei bonito e coloquei aqui), pela objetivação de seus trunfos, o fizeram ganhar contornos míticos, principalmente (é claro) depois de sua morte.
Mas, a maneira ascética com que se entregava para buscar seu mundo novo (com o Homem Novo como ele mesmo dizia), tanto nas guerrilhas como com sua família, foi idiossincrasia de Che, foi a sua leitura de mundo, carregada pelas particularidades trazidas na sua bagagem biológica e cultural. Essa leitura de mundo juntamente com especifidades humanas próprias de sua personalidade, fez de Guevara uma pessoa com grandes intransigências nas suas posições políticas, nos seus não-negociáveis objetivos. E como já disse, virou parâmetro.
Se Max Weber fosse escrever nos anos 70 do século XX a sua idéia de Dominação Carismática, baseado em Che, venderia muito, mas seria enxovalhado também, taxado como um grande oportunista, ou até mesmo (comparando de longe) um Paulo Coelho germânico. Mas como como observou esse "tipo ideal" bem antes, tem crédito na casa.
Che Guevara. Líder ascético, que renunciando a qualquer vaidade paliativa, ganhou milhões de prosélitos, todos nos curvamos a Che. E pra completar, o cara morre cedo, no seu auge político. Para muitos comunistas ateus, tornou-se imagem reconfortante, vínculo de crença e referência, (a mesma coisa que o Deus dos não-iluministas). Foi o tiro mais burro dado pelo capitalismo. Che não está aqui, está lá. Lá onde não podemos tocar, num lugar imaculado.
Quando li sobre Che (acho que em 2002), quis na mesma hora ir pro meio do mato morrer na guerrilha, já quis largar de vez minha vidinha pequeno-burguesa, já quis ser Che Guevara (mas não sou exemplo pra niguém porque sou facilmente influenciável, já quis ser Bruce Lee, Raul Seixas e até Rocco Sifredi).
Então, hoje, quando a gente observa os meandros, os fisiologismos, os pragmatismos político-ideológicos da nossa poítica atual pensamos: "Ah se fosse o Che!!!". Mas não é o Che. Mas não tem Che. Só o Che era Che, como só eu sou o Marcito. Não existe evangelho comunista, Che não irá se preocupar com nossos pecados ideológicos. E se de noite, ele sussurrar nos ouvidos da gente, pediremos que ele se acalme, não vamos peleguiar, só não podemos perder a ternura...jamais!!!"

Abraço do Marcito...