terça-feira, 12 de julho de 2011

Letra T de martelo


Qual o preço que pagamos pela decodificação de uma palavra? Por entender o que ela significa (o que assim foi arbitrariamente convencionado)? Todo mundo aprende na escola que é importante carregar sempre um dicionário na mochila para quando nos depararmos com aquelas letras que formam algo muito estranho, palavras que parecem descer de uma nave espacial. Ao aprendermos o significado colocamos mais um verbete (muitos vão procurar o dicionário pra essa palavra, né!) na nossa coleção, enriquecemos o nosso vocabulário.
Mas também tem o outro lado. Algo mágico se perde! As regras coletivas e sociais de convivo e perpetuação cultural acabam por arrancar da gente os significados espontâneos que damos às silhuetas de muitas palavras. Esses dias, na sala de aula, uma aluna me perguntou o significado da palavra “pioneiro”, e, ao saber da resposta, disse-me, entristecida, que na sua cabeça “pioneiro” lembrava um homem montado em um cavalo. Primeiro eu tive vontade de rir, mas depois pensei: sim, é isso! As palavras nos dão essas impressões! Como é bom curtir os momentos que antecedem a verdadeira tradução, como é bom imaginar o que o soar das palavras nos gera. Como é boa essa fase de virgindade gramatical, das fantasias que surgem no desenho das letras! Depois vem o dicionário e...
Eu mesmo ainda tenho as minhas próprias traduções de muitas palavras. Lembro quando ouvi “efêmero” pela primeira vez. Na hora pensei que fosse uma palavra libidinosa, ligada ao ato sexual. Imaginem! E o “libidinoso”? Lembra uma carne gordurosa que lambuza a boca quando a gente come. O “almoxarifado” era um homem irritado que poderia vir atrás de mim a qualquer momento. E por aí vai. Luiz Fernando Veríssimo, em uma de suas fantásticas crônicas já tinha escrito sobre isso (não lembro agora o nome do texto), sobre a impressão das palavras na nossa cabeça (lembro-o dizendo que “plúmbeo” parecia alguém se atirando de barriga na água e “caos” como uma palavra que estourasse na boca com uma bola de chiclete). Vocês aí que estão lendo, façam esse exercício, tenho certeza que muitas palavras virão.
Quanto mais conseguirmos segurar algumas palavras melhor...Outro dia o Gabriel, meu filho, entrou comigo no elevador e me pediu para apertar o “martelo”. Depois de um tempo, compreendi que o martelo era a letra “T” de térreo. Mas ele tem toda a razão. Aliás, isso eu não vou desmentir , deixo que ele descubra sozinho a frustração do significado da letra. Por enquanto eu deixo. É isso aí Gabi, letra de “T” de martelo.